Nipocultura: a cultura japonesa ao seu alcance

A Shindo Renmei | 臣道連盟 – II

Das três imigrações, a japonesa era a mais recente (1908); antecedida pela italiana (1874) e pela alemã (1824), já mais bem integradas, facilitada pela proximidade cultural, religiosa, étnica e no caso da italiana, também pela semelhança de línguas . A japonesa era a mais estranha, gente em tudo diferente das demais: não-cristã, não-europeia, não-branca, de idioma e escrita incompreensíveis, de culinária, usos e costumes, diversão, esportes, artes, valores éticos e morais muito estranhos. De maioria budista (religião ateia, sem mandamentos, que prega a salvação pelo conhecimento) e xintoísta (religião panteísta original do Japão), era-lhes estranha a noção de um Deus único, todo poderoso, onisciente e onipresente que contrastava com os deuses do panteão xintoísta, seres sem divinidade, mais próximos dos humanos. Àquela época, o imigrante japonês deve ter parecido ao brasileiro, gente próxima da heresia, longe do mundo cristão. Não apenas longe e diferente, mas o seu oposto: não ia à igreja, não batizava seus filhos, não rezava para seus santos, não venerava suas divindades. Poucos assimilariam o catolicismo. Mesmo antes da abolição, já antevendo o futuro cenário da escassez da mão de obra na lavoura, já se fazia ouvir a voz dos políticos preocupados com a inevitável miscigenação do negro ao branco da sociedade brasileira, fato que causaria a “degeneração” do brasileiro, como alertara Gobineau. Em 1869, em visita ao Brasil, declarara o pensador francês: “Nem um só brasileiro tem sangue puro porque os exemplos de casamentos entre brancos e negros são tão disseminados que as nuances de cor são infinitas, causando uma degeneração do tipo mais deprimente tanto nas classes baixas como nas superiores” (CARONE, 2012, p. 14).

Os eugenistas, inspirados pela doutrina de Gobineau, propunham impedir “”a decadência dos brancos” pela vitória dos mestiços através de propostas públicas de favorecimento maciço de imigrantes europeus, considerados superiores aos africanos e asiáticos” (ibidem, p. 17), alertando para o perigo de importarmos essa “sub-raça do oriente”.  Havia o “perigo amarelo”,  diante da qual precisávamos de “cuidados extremos e vigilância atenta”, alertava dom Sebastião Leme da conservadora igreja católica, cardeal-arcebispo do Rio de janeiro. Reverberando ecos da igreja e da Câmara dos Deputados, a imprensa já falava em “quistos asiáticos”. Estava pronto o cenário propício que desencadearia a repressão, a discriminação e a extorsão.

Em 1942 na cidade de Marília, houve cerimônia de casamento de famílias japonesas no melhor hotel da cidade. E a cidade se encheu de japoneses vindos de todas as regiões. Poucos dias antes, cinco navios brasileiros haviam sido afundados pelos países inimigos e o afluxo de tantos japoneses em clima festivo, vestidos para o casamento, pareceu ostensivo deboche a muitos marilienses. Correu a notícia de que os japoneses ali estavam em movimento subversivo, o casamento era apenas pretexto para a reunião. Resultado: a festa terminou  invadida por populares revoltados resultando em dezenas de feridos. A violência foi generalizada; dela não escaparam crianças, velhos nem mulheres. Retirado rapidamente da festa, o coronel Kikawa e mais alguns foram levados para Quintana, uma cidade próxima. Reunidos no galpão de uma chácara com mais cem atentos orgulhosos simpatizantes, o coronel Junji Kikawa, esfuziante, fazia o brinde: “ no tempo de guerra, a única forma de mostrar fidelidade à pátria é cumprir com as obrigações dos súditos do trono. A colônia já não está mais órfã. O imperador  não será mais ultrajado no Brasil. Hoje nasceu a Shindo Renmei , a Liga do Caminho dos Súditos. Longa, mas muito longa vida à Shindo Renmei!”. Acompanhou o coronel Kikawa no brinde com saquê o coronel Jinsaku Wakiyama, o capitão Kiyo Yamauchi, Ryotaro Negoro e Seiichi Tomari,  importantes membros da futura organização. Ali nascia, de parto amadurecido, a organização que viria a trazer por um lado, o terror para alguns e um certo orgulho e conforto psicológico para a maioria da colônia. As autoridades brasileiras, constatariam, estupefatas, diante da outrora ordeira comunidade – onde eram raros os crimes – uma organização envolvida em aterrador movimento ideológico sem precedentes. Japonês contra japonês. “Justiça” sumária,  executada por grupos de ataque, o pelotão tokkotai – pelotão especial de ataque, denominado pela Shindo Renmei de “Batalhão do Vento Divino” (vento dos deuses – kamikaze, em japonês), contra membros da comunidade cujo “crime” era acreditar nos fatos noticiados sobre os resultados da guerra. Mas o que incomodava mesmo os kachigumi (“vitoristas“) da Shindo Renmei era os makegumi (“derrotistas”) desacreditar a nação como grande potência e a figura do imperador como um ser digno de veneração.  Não estava entre seus objetivos diretamente a eliminação sumária de “derrotistas”. Segundo o que constatou o DOPS, eram objetivos da Shindo Renmei “a reabertura de escolas, o culto aos antepassados, às artes, esportes e ciências militares entre os jovens”.

 Referências

MORAES, Fernando.  Corações Sujos. São Paulo: Companhia das Letras, 2009 

YAMASHIRO, José. Japão: passado e presente. São Paulo: Ibrasa, 1986

http://pt.wikipedia.org/wiki/Shindo_Renmei

http://pt.wikipedia.org/wiki/Imigra%C3%A7%C3%A3o_no_Brasil

http://www.usp.br/proin/download/revista/revista_seminarios3_prisioneirosguerra.pdf

http://pt.wikipedia.org/wiki/R%C3%A9is

http://es.wikipedia.org/wiki/Nacionalismo_japon%C3%A9s

http://pt.wikipedia.org/wiki/Francisco_Xavier

http://madeinjapan.uol.com.br/2007/05/09/japao-de-todos-os-santos/

http://www.catolicismo.com.br/materia/materia.cfm?IDmat=D2F0C736-3048-560B-1C811E2509EF36B9&mes=Fevereiro1997

http://www.catolicosdobrasil.com.br/tag/japao/

http://www.embaixadadeportugal.jp/centro-cultural/portugal-e-japao/historia-cronologia/pt/

http://pt.wikipedia.org/wiki/Matthew_Calbraith_Perry

http://pt.wikipedia.org/wiki/Restaura%C3%A7%C3%A3o_Meiji

http://www.infopedia.pt/$a-abertura-do-japao-a-conquista-do-pacifico

http://www.grandesguerras.com.br/artigos/text01.php?art_id=66

http://www.grandesguerras.com.br/artigos/text01.php?art_id=189

http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=vtls000393553

http://pt.wikipedia.org/wiki/Afro-descendente

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