Nipocultura: a cultura japonesa ao seu alcance

O haikai, haicai ou haiku

haikai

A forma de poesia haikai, ou haicai aportuguesado, haiku para os japoneses, de apenas 17 sílabas, é a composição de imagens que, como na linguagem cinematográfica, parte de um cenário geral para o particular, ou, como ensina Bashô, da “permanência” para a “transformação” ou “percepção momentânea” apenas sugerindo, mostrando de relance, cabendo ao leitor sua interpretação, “o que (interpretação do leitor) faz da imperfeição do haiku uma perfeição de arte”, como diz Yone Noguchi. A ação se passa no presente e neste sentido, se diz que o haicai é infindável, sua mensagem está sempre ali visível, como uma pintura de imagens. É o retrato de um momento de êxtase, onde o mínimo sugere o máximo, mais omite do que diz e por isso, é preciso mais interpretar do que entender. Nas palavras de Haroldo: “no pensamento por imagens do poeta japonês, o haicai funciona como uma espécie de objetiva portátil, apta a captar a realidade circunstante e o mundo interior, e a convertê-los em matéria visível”. Ou como resume Eisenstein: “o haicai é um esboço impressionista concentrado”.

Haroldo, analisando o ideograma u-gu-i-su (鶯 – rouxinol) no haicai de Buson (1716-1784), assim se expressa: “dois fogos sobre um teto (cobertura) sobre pássaro; eis o que me parece uma verdadeira palavra-metáfora, um poema em miniatura, que, por si só, resume todo este haicai: o rouxinol, cujo canto, na espessura de um bosque, rompe como uma luz; o mensageiro de “un dia parado en su mediodia”. O “cenit de una primavera redonda”, do poema de Jorge Guillén”.

Em japonês: 鶯の 鳴くや 小さき 口 明けて -uguisu no nakuya chiisaki kuchi akete.
Tradução literal: canta o rouxinol abrindo sua pequena boca.
Tradução poética de Haroldo: canta o rouxinol – garganta miúda – sol lua – raiando.

Haroldo, numa licença poética, substitui o verbo akeru (開ける - abrir algo – uma porta, a boca) pelo homófono akeru (明ける – raiar do dia), porque este melhor traduz seu encantamento pelo abrir a boca do rouxinol: ”…a idéia concreta “processo de luz total” está presente, razão pela qual recorri à força dos substantivos conjugados “sol lua”, completando a projeção verbal da imagem com a forma verbal “raiando”, que não só incorpora o elemento luminoso do canto, como sugere o próprio raiar do dia…”

Talvez o mais conhecido haicai, seja este, escrito por Bashô (1644-1694):
古 池 や 蛙 飛び込む 水の 音
Furu ikeya kawazu tobikomu mizuno oto.
O velho tanque – rã sair tomba – rumor de água.

Análise de Haroldo: “furu (古― velho); o sinal de 10 sobre a boca (kuchi); o que passou de boca em boca por 10 gerações (Pound via Fenollosa), ou notícia 10 vezes repetida (Vaccari). Tobikomu: verbo composto de tobu, (飛ぶ) “saltar” + komeru (込める), “entrar”; contém dois kanji superpostos: o de tobu seria, para Vaccari, a pintura sintética de pássaros no ato do vôo; o de komeru reune uma parte inferior, indicativa de “movimento para a frente”, “o processo”: pegadas + um pé e outra superior significando “entrar” (como um rio na sua foz)”.

O zen-budismo, cujo ensinamento diz que a excelência está no ser-fazer e não em dizer, usa a meditação pura (esvaziamento da mente) e o koan (uma pergunta ou afirmação do mestre, aparentemente díspares, em resposta à uma pergunta do discípulo para provocar a meditação) como formas de ensinar. Cabe ao discípulo a interpretação correta da afirmação do mestre, o que geralmente exige um grande esforço interpretativo. Numa ocasião Bashô recebeu a visita do mestre zen Bucchô e travaram o seguinte diálogo(mondo no zen budismo – perguntas e respostas):

“Bucchô: O que é que você tem feito?
Bashô: As últimas chuvas lavaram o musgo verde.
Bucchô: Qual é a lei de Buda anterior ao crescimento do musgo?
Bashô: Uma rã mergulha – barulho de água!”

Qual a interpretação para as palavras do maior dos haicaístas? Ou Bashô simplesmente exerceu sua veia poética e “haicaizou” o diálogo?

Esta liberdade interpretativa que nos possibilita o haicai, o koan e o mondo do zen-budismo, está presente também no teatro Nô. Donald Keene, a esse respeito, escreve: “O Nô providencia um molde soberbo para um poeta dramático. Em certo sentido é um equivalente amplificado do rarefeito haicai, apresentando apenas os momentos de maior intensidade, como a sugerir o resto do drama. Como o haicai, também o Nô possui dois elementos, sendo que o intervalo entre a primeira e a segunda aparição do dançarino principal desempenha a função do corte no haicai, devendo o auditório suprir o elo entre ambas”.

Baseado nos estudos de Fenollosa e Eisenstein, sobre o ideograma como linguagem e o seu princípio de composição como linguagem cinematográfica, o cineasta britânico Peter Greenaway fez o filme “O livro de Cabeceira”, considerado uma etiqueta do pecado, homônimo da obra de Sei Shonagon, escritora japonesa do século X. De Shonagon diz-se que foi uma cortesã, dama da corte, teve 4 ou 5 maridos e a nenhum foi fiel, muito menos aos amantes que teve; outros dizem ter se recolhido a um convento. Da obra referida, constam entre as coisas detestáveis de Shonagon: “Quando estamos em bom termos com um homem, ouvi-lo louvar certa mulher que ele conheceu….. Um visitante que conta uma história comprida quando estamos com pressa….. Os roncos dum homem que a gente está procurando ocultar e foi posto a dormir em lugar que não era do seu negócio.. Pulgas.”

Greenaway era artista plástico e transpôs para a tela do cinema, o conceito de pintura de uma tela, usando a do cinema, como o papel onde o calígrafo/poeta pinta/compõe seu ideograma/haicai. Aí vemos, literalmente, a palavra-pintura em movimento, pois é o corpo humano o depositário da escrita. O filme todo, pelas tomadas de imagens, pelo enredo, pelas personagens, pelos dizeres do livro de Sei Shonagon, convida-nos à uma interpretação. Greenaway compõe haicais ideogramaticamente nas multidimensões dos sentidos que possibilita o cinema: da imagem e da palavra falada e escrita.

Os lexicógrafos chineses admitem que a chave pictográfica de muitos ideogramas não pode ser rastreada, pela ausência de registros, mas, os ideogramas compostos por sugestão nos dão indícios claros da cultura e do pensamento do povo que os compôs. Haroldo lamenta-se com a afirmação de Yuen Ren Chao de que a maioria dos ideogramas foram compostos por combinação entre um radical e um elemento simplesmente fonético que nada sugere junto ao elemento significativo.

Compreendido o conceito da construção do ideograma e sua aplicação na poesia, a sensibilidade poética do ocidental não resiste interpretar as sutis disposições de caracteres que se nos apresentam convidativas, deleitantes, instigantes, desafiadoras. “Decifra-me ou devoro-te!” Quem disse isto? Devorados, seríamos apenas pela ignorância ou indiferença, mas o decifrar ou o interpretar nos abrirá o mundo do belo.

E de fato, não há como impedir que nossa vocação poética enxergue apenas um significado dicionarizado, em ideograma como “pais”( 親 – oya em japonês), por exemplo. Escreve-se com três idéias originais: “olhar”(見る), “de pé”(立つ) em cima de uma “árvore(木)”. Por que significaria pais, este ideograma? Se não se formou por combinação, isto é, a presença de algum ideograma pictográfico mais um apenas com função fonética, talvez possamos afirmar que signifique a preocupação dos pais com o regresso do filho ao lar. E por que o chinês escreve a palavra “letra, alfabeto”(字) com “o filho sob um teto”, ou “segurança”(安) com “a mulher sob um teto”? E por que o verbo “gostar” ou “bom”(好) é a junção de “mulher”(女) + “filho”(子). Em qualquer destes casos, o ideograma por si já é um poema, uma mensagem, pelo vigor da concepção ali mostrada. Um mini-poema, um haicai sem palavras, um haicai de imagens, rica em cores, cuja vividez , como um lampejo, atinge área adormecida de nossa alma, como diz Fenollosa, “onde o intelecto pode apenas tatear”

Referências:
“Os caracteres da escrita chinesa como instrumento para a poesia” in Ideograma
“O princípio cinematográfico e o ideograma” in Ideograma
História da civilização
Haikai – Paulo Franchetti e outros – ed Unicamp – 2 a ed – 1991
A arte no horizonte do provável
A Arte no horizonte do provável – Haroldo de Campos – Ed Perspectiva 4.a ed – 1977
Yone Noguchi, The spirit of Japanese Poetry, Londres, John Murray, 1914 – apud Ideograma
A Arte no horizonte do provável
Umberto Eco – A estrutura ausente – Ed Usp e Perspectiva – ed 1971

7 thoughts on “O haikai, haicai ou haiku”
  1. bom dia, pessoal, preciso de ajuda urgente,
    meu sobrinho teve como trabalho na escol o tema Haikai, porem a professora deu 0, porque escrevemos o assunto, e ela disse que quer em desenhos .
    tem como ajudar onde posso encontrar estes desenhos com os poemas relacioanados?
    obrigado
    Rosana meu fone 011 4195-6955

  2. Eu prefiro achar que Bashô haicaizou o diálogo que teve com Bucchô, mas o que seria realmente provável no horizonte da arte?

    Saudações poéticas.

  3. Trabalho que apresento, tentando simplificar o tema haicai:

    CARTILHA DO POEMETO HAICU
    O poemeto moderno mais antigo do mundo!

    Para chegarmos ao haicu, precisamos primeiro conhecer o haicai.

    Podemos dizer que o haicai, composto de estrofes de sons japoneses 5-7-5, 7 – 7; 5; 5-7-5; 7-7; e assim por diante, é o poema do qual derivou diversos outros que foram tomando forma na era Edo (1600-1688).

    Vejamos o que nos diz a Kodasha Enciclopedia of Japan, 1983:

    Hokkku, literalmente, quer dizer estrofe inicial, e era esse seu nome nos dias de Nosawa Bonshô (morto em 1714). O texto a seguir, do seus trabalho conjunto, é hoje incidentalmente haicai:

    Cheira cidade Cheiro da cidade
    nas ruas, alamedas. nas ruas, nas alamedas.
    Luar – outono. A lua de outono.

    (sílabas gramaticais) (sílabas poéticas)

    Portanto, não era o hokku (estrofe inicial), hoje incidentalmente haicai, autônomo por si mesmo, mas o início de uma cadeia de estrofes conhecida como haicai no renga (haicai encadeado) ou simplesmente haicai,como também o chamavam.

    A poética sugestão introduzida pelo hokku de Bonshô de 5-7-5 sons japoneses, segue o de Bashô (1644-1694), apoiando o encadeamento com a seguinte estrofe de dois versos 7-7 sons japoneses:

    O dia muito quente Está quente! Muito quente!
    pelas portas se ouve. vai-se ouvindo pelas portas.

    (sílabas gramaticais) (sílabas poéticas)

    Portanto:

    Haikai – Poema encadeado em que três poetas se alternavam em 5-7-5 7-7; 5-7-5 7-7; 5-7-5 7-7; que podiam ir de 36 a mil estrofes!

    Hokku – Estrofe inicial do haicai. Nesta o poeta estabelecia o matiz para o resto a encadear: situava a estação do ano em que se encontravam, em narrativa sempre abordando o momento. A partir de 1892, o hokku, então há tempos feito isolado, passou a chamar-se haicu.

    A terceira ligação neste haikai, é novamente um verso de 5-7-5 sons japoneses, escrito por Mukai Kyorai (1651-1704), o quarto por Bonshô voltando a ser 7-7 sons japoneses e nessa ordem seguiram as suas 36 estrofes.

    Assim, os três poetas articularam o haikai, começando com o hokku, alternando as seções de 5-7-5 e 7-7 sons japoneses numa extensa cadeia de associações poéticas.

    Porque o hokku estabelecia o matiz para o resto a encadear, gozava uma privilegiada posição na poesia haikai, e não era incomum um poeta compor um hokku por si mesmo sem continuar com o resto do encadeamento, e também o chamava, assim isolado, de haikai.

    Pensava-se em princípio, que todo hokku fosse destinado a ser integrado no longo haikai. Uma longa tradição de antologias devotadas exclusivamente ao hokku, iniciada postumamente com Sogi (1421-1502) em seu Jinensai Hokku (1506) chega a Kokin meika kusen (1776) da escola Bashô, indicação da tendência natural do hokku para tornar seu caráter de poesia independente.

    As estrofes alternadas compreendem as tradicionais duas partes do waka (poesia do Japão, japonesa) ou tanka: a unidade superior (kami no ku) em três versos de sons japoneses (5-7-5) e a inferior (shimo no ku) numa dupla de sete sons japoneses (7-7).

    Devemos aqui lembrar a estrutura da língua portuguesa, ou seja, é mera arbitrariedade convencionar, estabelecer sílabas poéticas, ou gramaticais, como, aliás, alguns autores tentaram também fazer seus tercetos independentes.

    Nos concursos, tais normas podem eliminar indiscriminadamente haicus de qualidade – e sua eleição deveria ser efetuada por uma única pessoa.

    Das estrofes do haicai encadeado não só surgiu nosso denominado terceto haicai, que o fazemos muitas vezes – geralmente não sendo o hokku (cujo conteúdo foi explicado na página anterior), Terceto aquele sem novidade para seu conteúdo; mas também o zappai (termo genérico de formas de poesia cômica surgidas durante a era Edo).

    O haicai, que se tornara modelo de arte, graças a Matsuo Munefusa (1644-1694), pseudônimo Bashô, sofreu decadência após sua morte, tornando-se virtualmente indistinguível do zappai e do senriu, forma de verso popular em voga no período Genroku (1688-1704), e só veio a se reabilitar na metade do século XVIII.

    Buson (1716-1784) chegou mesmo a lamentar essa decadência: passaram a ser mais enigmas do que hocu.

    O H A I C U N O B R A S I L

    Apesar de Masaoka Shiki (1867-1902) ter batizado o hocu (primeiro terceto do haicai) de haicu (hai de haicai; cu de hocu), é bem provável que houve, no Brasil, inúmeras traduções cuja imensa maioria não foi o hocu… Censurados ambos nomes? Lembremos cou, pescoço, em francês!
    Daí a seqüência inevitável de nós brasileiros, desenvolvermos, até hoje, baseados nessa maioria, que não são mais do que tercetos que sempre fizemos, à moda ocidental, ou seja, um texto explicado, opinativo, fechado, etc.

    Para encurtar a palavra terceto, passo daqui por diante a chamá-lo de trevo. O haicu, verificamos que, apesar de até hoje entendermos seu conteúdo, não conseguimos fazê-lo, e continuamente o desfiguramos. O haicu se faz no presente, aqui e agora; seu texto marca a estação do momento: deve conter o corte, que separa a frase de outra com o ponto, o travessão, etc.

    Bashô nos dá um belo exemplo, onde temos o quigo râ, palavra da estação primavera, que nos dá o quidai, tema sazonal do haicu; o corte (nem tão distante, nem tão próximo do texto anterior):

    Velho tanque,
    uma rã salta.
    Barulho de água.

    Davi Cooler nos dá muitos NÃOS para alcançarmos a feitura de um haicu límpido, livre de quaisquer impurezas!

    01 – Não tente ser ou parecer inteligente, nem espirituoso, nos
    haicus.
    02 – Não use muitas palavras, senão o poema perderá em nitidez.
    03 – Não use poucas palavras, senão ficará obscuro.
    04 – Não seja escravo da métrica, mas tente usar 17 sílabas ou
    menos.
    05 – Não faça filosofia – nenhum processo de pensamento lógico
    pode ser exibido.
    06 – Não compare uma coisa com outra.
    07 – Não fale de qualquer coisa ou fato como se tivessem um
    significado maior do que realmente tem.
    08 – Não tente causar surpresa ou impressionar com uma frase de
    efeito (punchline).
    09 – Não deixe de usar palavras de uso comum, necessárias ao
    bom entendimento do haicu.
    10 – Não pregue religião, crenças, moral ou ética.
    11 – Não use rimas finais nem internas nos versos.
    12 – Não use efeitos sonoros pela repetição de determinados sons.
    13 – Não compile nem use listas de palavras (quigo), do tema
    sazonal quidai, mas tente indicar a estação do ano em que se
    criou o haicu, mencionando-a ou de forma indireta,
    sugerindo-a com clareza.
    14 – Evite colocar seu ego no haicu; evite o uso de eu, me e meu.
    15 – Leia haicus clássicos e observe os que causam efeito poético,
    os que não causam, e aprenda de ambos.
    16 – Evite assuntos inapropriados para o haicu, como romance,
    sexo, catástrofes, crimes, etc. Haicu é expressão de coisas
    simples com palavras simples.
    17 – Não dê características humanas para objetos inanimados (ou
    fenômenos da
    natureza) ou para outras criaturas vivas.
    18 – O haicu deve transmitir sensações genuínas, sem produzir efeitos calculados.
    19 – O haicu deve versar sobre a natureza, não sobre abstrações.
    20 – Não caia no equívoco de pensar que poemas insólitos ou
    experimentais sejam haicus, apenas por terem sua métrica
    ou disposição dos versos semelhantes às do haicu.

    Tais padrões, Cooler pondera ser usados como instrumento para orientação. Opino que a quebra de quaisquer deles, enfraquecerá sobremaneira seu haicu.

    Alerta, como Bashô, que o bom artista deve conhecer as regras de sua arte antes de resolver usá-la ou quebrá-las, para não ser apenas naif (sem arte nem afetação).

    Em 1919, Afrânio Peixoto (1876-1949) publicou Trovas Brasileiras Populares, Popularizadas. Em seu prefácio, traduzidos, cinco belos tercetos do haicai. Provavelmente um soa trevo haicu, de Teika (1162-1241):

    Persegue implacável
    as pétalas de cereja
    forte tempestade.

    Conforme itens 14, 17, 18, 19, de Cooler, o tradutor deve ter transgredido alguns destes em seu texto!

    Embora “facilite” mais o leitor, ao trevo haicu desagrada adjetivos, além de a tempestade tenha ficado com características humanas; e a palavra implacável, deixa também o leitor de lado; não lhe permite imaginar a sua tempestade, a sua experiência, a sua surpresa, o seu eureca! Serve mais para o ego e a métrica do autor-tradutor.

    O haicu não admite enchimento de lingüiça como a trova:

    Pétalas de cereja
    levadas pela ventania.
    Tempestade.

    Aqui, tentamos o corte, dispensamos “perseguição” e “forte”, deixando um texto aberto para o leitor complementá-lo à sua maneira (à maneira dele).

    Em O Haicai, de 1975, Oldegar Franco Vieira, declara estudá-lo desde 1933. Em 1981, Waldomiro Siqueira Júnior, em seu livreto 420 Haicais, declara que o haicai já era razoavelmente conhecido por volta de 1926, graças ao livro do lisboeta Wenceslau de Moraes e cita também Gil Nunes Maia como pioneiro do haicai, antes de 1932.

    Guilherme de Almeida, nosso admirável poeta, provavelmente desconhecendo o haicu – e o por quê de seu nome, muito embora, à época, o haicu já existisse como trevo ou terceto isolado, e já batizado por Shiki em 1982, fez o haicai rimado; rimas novas em se tratando de tercetos isolados 5-7-5. É um desafio que poucos entrentam com sucesso nos trevos à moda ocidental.

    Ainda atualmente, muitos dos que se dizem haicaístas, pensando dizerem-se haicuístas, insistem, por desconhecimento, em fazer o haicu ao modo ocidental, isto é, como se fizessem trovas ou quadras, em três versos Os nomes passados e atuais, merecida mente famosos e respeitados, influenciam, infelizmente, esse comportamento. E os denomino, tais hacais ou haicus, de trevos à moda ocidental, isto é, ausência de conteúdo haicu.

    Como em toda regra há exceção, eis um raro exemplo de felizes traduções de hocus de Bashô feito pelo Monsenhor Primo Vieira (Bashô, Palhas de Arroz, Edição 1994, Massao Ohno Editor), graças a sua fidelidade e à colaboração de Da. Seika Kizawa, que em primeira leitura traduziu literalmente, palavra por palavra, o poema em sua forma original

    Primavera Outono

    Murchando e caindo, Mar enfurecido
    entorna a água de dentro por sobre a Ilha de Sado
    a flor da camélia. paira a Via-Láctea.

    Verão Inverno

    Nuvens de verão. Brasas na lareira
    No porto, vindos de longe, projeta-se na parede
    ecos de artilharia. a sombra do hóspede.

    R E C A P I T U L A N D O

    Apesar de, naturalmente o haicu, diferente da trova, só possa buscar seus exemplos na sua fonte original – os poetas japoneses – podemos dizer que o haicu precisa agora, é ser conhecido como ele é.

    Lembremos sempre que tais traduções são raramente feitas por haicuísta (aquele que sabe do que realmente se trata). Isto sem, de longe, considerarmos as dificuldades da língua…

    Poema curto, o haicu, não ocupa muito espaço, facilitando os meios de comunicação. O haicu é o supra-sumo da brevidade. E, para o ser, realmente, a contagem silábica geralmente desfigura-o e o debilita.

    Quanto à rima, coisa difícil entre nós é evitar fazer rimar. Sendo o haicu, objetivo, o ideal é obedecer às regras da gramática da nossa língua.

    Outra realidade atual: quase não há condição para procurarmos, hoje em dia. Locais para ver, sentir e fazer o que a natureza nos oferece. Portanto, elaborar um texto aqui e agora, de alguma vivência do passado, de nossas lembranças, é válida, desde que façamos como acontecida no momento, como foto descrita sem interferência.

    Sendo raras as oportunidades hoje em dia de sentirmos a Natureza, infelizmente, teremos que recorrer a fotografias, filmes, dicionários e, mesmo, a quem tenha ainda ou tenha tido a experiência que não tivemos e no-las conte.

    O autor deve expressar coisas simples com palavras simples, aqui e agora.

    A elaboração do poema com idéias pré-concebidas, e visando um fecho (princípios da trova!), para o poema haicu, – empobrece-o, quando não o elimina! Por outro lado, termos hoje o disponível para falar do que não conhecíamos, é sem dúvida, um substituto às viagens de Bashô, quase impossíveis em nossos dias.

    Pior ainda se nele colocarmos pensamentos lógicos, filosofia. Explicar ou opinar, transforma o trevo ou o terceto num texto à moda ocidental… O haicu é fácil de entender, e difícil de o fazer, mormente sem o nosso ego! O autor precisa ter em sua mente, de forma clara, que será o leitor e não, ele, o autor, quem opinará ou explicará o que encontrar no seu texto, isto é, trova… de três versos! Lembremos, segundo Luiz Otávio (1916-1977), que a “trova, é de três versos! Lembremos, segundo Luiz Otávio (1916-1977), que a “trova, é uma composição poética de quatro versos setes silábicos, rimando, pelo menos, o segundo com o quarto, e tendo um sentido completo”. Nos concursos exige-se também rimar o primeiro com o terceiro, e outras variedades são encontradas em Versos Sencillos, de José Julián Martí (28.01.1853-19.05.1895).

    Quando empregamos quaisquer sentimentos ou diminutivos, criancices, o autor fará trovas… De três versos!

    Ao fazer um haicu, pois, esforce-se para deixar de lado seu ego – isso, aliás, é muito importante e, como já dito e não custa repetir, muito dificultoso para nós…

    Embora haja dificuldades de evitarmos os efeitos, saibamos, desde já, quanto mais nossas sensações forem genuínas, mais honesto nosso trabalho.

    No trevo haicu, a palavra da sazão, uma única, determinará a estação do ano. Em outras palavras, um só quigo nomeia a sazão, – nada de redundância.

    O que não podemos, não devemos, ao tentar o 5-7-5, é submetermo-nos, na maioria das vezes, a enchermos o texto de palavras dispensáveis, por vezes até excluindo as necessárias, para falarmos sobre… O óbvio!

    Verbos como ser, parecer, p.e., não existem em fotografias (existe, sim, nossa intromissão na foto!)

    Enfeitar com termos poéticos, deixa também de ser uma narrativa de algo acontecendo aqui e agora, onde não cabe nenhuma nossa opinião ou observação.

    Uma pontuação incorreta, ou omissa, gera uma pintura de próprio punho e, não, fotografia ou filme.

    Assim também pensamentos e tropos apresentam somente o ego do autor e não um trevo haicu que se preze.

    Lembramos também que fotografia não tem interrogação ou admiração ou reticências… O autor simplesmente – narra, descreve – o que está vendo.

    O texto não deve ser derivado de uma câmara fotográfica onipotente, toda revestida de plurais ou abstrações e, muito menos, exagero, mas sim – o que, objetivamente, é visto.

    Diferente da trova, o trevo haicu é aberto, o autor deixa para o leitor completá-lo.

    Trova Haicu

    Se Agosto é mês de desgosto,
    então me dê seus porquês, Floridos
    pois nesse mês fica exposto galhos desfolhados –
    todo o florir dos ipês! o ipê.

    É claro, evitemos e dispensemos o óbvio.

    Sugerir, não determinar; fazer chegar à mente do leitor. Muito menos falar tudo por tudo.

    Ponha a verdade no seu haicu através de suas experiências concretas.

    Não dê características humanas para o que abordar.

    Descreva como um filme ou foto, aqui e agora, sem retoques.

    Tente sempre o corte. E não esqueça, não existe título no haicu.

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