Nipocultura: a cultura japonesa ao seu alcance

A civilização que inventou o ideograma

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No século XVIII, o mundo descobriu a China intelectual. Escreve Diderot: “esses povos são superiores a todos os asiáticos em antiguidade, arte, intelecto, sabedoria, política e gosto pela filosofia…” e Keyserling “o mais perfeito tipo da humanidade, como fenômeno normal, foi elaborado na velha China… a China criou a mais alta cultura universal conhecida…. os chineses são talvez os mais profundos de todos os homens”.

O papel

Os chineses já fabricavam o papel na dinastia Han (206 a.C. – 220 d.C.). Segundo Will Durant, “por volta de 105 de nossa era, T’sai Lun informou ao imperador que havia inventado um material para escrita mais barato e leve, feito de casca de árvore, cânhamo e trapos….. o mais velho papel existente encontrado por Sir Aurel Stein num arcobotante da Grande Muralha, aparece sob forma de documentos oficiais relativos aos anos de 21 a 137 da era atual…”. Os árabes aprenderam a arte do seu fabrico no século VIII e a ensinaram aos europeus no século XIII.

Bem antes de Guttenberg imprimir a Bíblia com tipos móveis em 1440, os chineses já a haviam inventado na dinastia Tang (618-907) e imprimiam os clássicos de Confúcio entre 932 e 953. Na dinastia Sung (960-1279) os chineses já mantinham relações comerciais marítimas com o Japão, a Índia, a Arábia e o Egito.

Filosofia

Yu Tze, quando o mundo nem sabia o que era filosofia, em 1250 a. C., dizia: “não conhecerá mágoas quem renuncia à fama”, inaugurando a sucessão de grandes filósofos produzidos por este país. No século XVII, isto é, 29 séculos depois, Espinosa (1632 – 1677, falando da fama dizia: “a fama também tem uma grande deficiência, a de que se a perseguirmos teremos que dirigir nossa vida de maneira a agradar às concepções arbitrárias dos homens, evitando aquilo de que eles gostam e procurando o que os agrada”. Espinosa dizia ainda que a vontade de Deus e as leis da natureza são uma só coisa, que as leis que regem o universo são invariáveis e eternas, que não existe o bom e o mau; isto é apenas uma concepção errada, antropocêntrica, que o homem faz do universo objetivo, segundo seus interesses ou sentimentos. Por isso o universo é uno, tudo está na unidade. Confúcio (551 a.C. – 478 a. C.), o maior dos filósofos chineses afirmava, 21 séculos antes de Espinosa, “procurar a unidade em todos os fenômenos e o esforço para encontrar alguma harmonia estabilizadora entre as leis da boa conduta e as regularidades da natureza”. “Tzse”, respondeu Confúcio a um discípulo, “pensas tu, suponho, que eu aprendo coisas e guardo-as na memória?” “E não é assim?” “Não, o que procuro é a unidade substancial em tudo”. A procura desta unidade era, para Confúcio, a essência da filosofia. Uma ocasião, respondendo a Chung Kung, que indagara sobre a virtude perfeita, respondeu: “não faças aos outros o que não queres que te façam”, quatro séculos antes de Hillel e cinco séculos antes de Cristo.

As doutrinas de Confúcio, de Lao Tsé (604 a.C. – 517 a.C.), fundador do taoísmo, e de Mêncio (372-289 a. C.), foram certamente o pensamento filosófico de maior influência nos países do oriente. O Japão foi aluno aplicado. Admirador profundo desta elevada cultura, moldou a vida, os costumes, o caráter e o pensamento de seu povo sob este modelo cultural. A ética social japonesa é essencialmente confucionista e o xintoísmo tem forte influência taoísta. Lao Tsé pregava a introspecção e a admiração das belezas da natureza; Mêncio dizia que todos os homens nascem bons, no que era contestado por Hsun Tze (305 a. C. – 235 a. C.), que afirmava o contrário: todos nascem maus e só se tornam bons pela educação. Idêntica discussão se estabeleceu na Europa no Iluminismo no século XVIII, tendo Rousseau, que pregava o mito do bom selvagem, ao centro da discussão. Mêncio afirmava ainda que para um reino ser bem governado os reis deveriam se tornar filósofos ou os filósofos deveriam se tornar reis, como queria Platão.

Pintura/Caligrafia

Uma das excelências da pintura chinesa foi Wang Wei. De sua pintura impressionista, dizia-se que “ uma paisagem torna-se apenas símbolo de um estado de alma”. Poeta e pintor, Wang aliava as duas artes com o talento do gênio. De suas pinturas, os homens diziam: “cada pintura é um poema e cada poema é uma pintura”, sutileza característica da pintura chinesa. O calígrafo e o poeta, dada a natureza da escrita pictográfica, quase sempre se fundiam numa pessoa só. Sob esta óptica pode-se falar que o chinês poetiza os traços da pintura ou pinta as palavras vivas da poesia. Fenollosa falava, referindo-se à linguagem dos ideogramas, “da vividez da pintura e do movimento dos sons”.

A caligrafia/pintura/poema é o estado da alma naquele momento, por isso, não há duas pinturas iguais; cada mestre tem seu estilo e deixa na sua obra, as digitais únicas de sua genialidade. Esta arte exerce duplo encantamento: fascina os olhos pela beleza plástica, e extasia a alma, também duplamente: pelos dizeres do poema e pela mensagem conceitual dos kanjis, estes, também um pequeno poema.

Fontes:
História da Civilização – Nossa herança oriental – ed 1942 – Will Durant
Um estudo crítico da História – Hélio Jaguaribe – ed 2001 – Ed Paz e Terra
www.chinapage.com
História da filosofia – Will Durant – col os pensadores ed Nova Cultural ed 1996
Ideograma – Haroldo de Campos – Edusp 4.a ed

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