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100 anos de imigração | O imigrante e sensei de judô Sukeji Shibayama – III

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Agora pai, levei meus filhos para treinar judô na mesma academia.
Sensei me recebeu com alegria. Contou-me a história da academia desde que eu havia me ausentado. Enquanto as crianças treinavam, conversávamos. Quase sempre assuntos filosóficos, o de que mais gostava e a sua estreita relação com o judô.

Foi aluno de Kyuzo Mifune, considerado o melhor aluno de Jigoro Kano, fundador do judô. Ao abrir as portas para o ocidente a partir da Reforma Meiji em 1868, o Japão recebeu inúmeros estrangeiros que vieram para negociar ou lecionar nas universidades japonesas, então ignorantes nos conhecimentos ocidentais. Norte-americanos se interessaram pela nova arte marcial que estava surgindo e convidaram Jigoro Kano para ensinar judô nos EUA. O fundador enviou então Mifune e mais um aluno. Mas, chegando lá, despertaram pouca atenção. O tempo foi passando e o dinheiro acabando. Mas quando acabava, o aluno sempre aparecia com algum. Curioso, um dia Mifune foi ver onde o aluno conseguia dinheiro. O rapaz participava de lutas de rua em que se oferecia dinheiro ao vencedor.

Mifune resolveu que aquele não era o método adequado à sua missão e não era certamente a vontade do sensei Jigoro. Fez então um desafio. Acendeu dez velas e desafiou os presentes a apagá-las com um só movimento sem tocar nelas. Ninguém conseguia. Ao final, Mifune, pequeno e magro para os padrões norte-americanos, descalço, apagava todas com um único movimento de um pé. No judô, este golpe chama-se ashibarai (varrer com os pés). É fato que não consta nos livros da História do Judô. Foi contada pelo mestre Mifune ao seu aluno Shibayama e este o contou para mim. Engraçada e folclórica, mas foi como o judô entrou nos EUA.

Quando ia assistir aos treinos, quase sempre pedia, ao final, que eu subisse no tatami para traduzir aos judocas sua pequena preleção. Sensei era inteligente. Havia se diplomado em língua chinesa numa faculdade do Japão. Respeitoso, acho que me chamava mais em consideração à minha presença do que propriamente pela sua insuficiência com o idioma. Todos entendiam perfeitamente seu português. Me chamava de senhor e de  Kaneoya-sensei, à mim que não passei da faixa vermelha e não treinei mais que dois anos de judô.

Sensei Shibayama nos deixou em 4 de julho de 1999 aos 88 anos.

Havia deixado um único filho biológico, Américo, meu colega de ginásio, que faleceu antes dele. Mas deixou inúmeros filhos de Academia. Alguns não lutam mais judô, mas certamente se sentem felizes por haverem conhecido este grande mestre judoísta que nos deixou profundas lições de vida.

Quem foi judoca, nunca deixará de sê-lo. Sai-se do judô, mas o judô não sai de nós. Estou certo de que os ensinamentos do sensei Shibayama moldaram marcantemente o caráter de muitas crianças, jovens e adultos que hoje mostram a influência dos ensinamentos daquele sábio senhor em suas vidas. Centenas, talvez milhares de alunos passaram pela Academia nestes 50 anos de existência.

Estou certo de que os atuais mestres elevam o nome da Academia Kenshin ao formarem não apenas o atleta, mas o ser humano sob os ensinamentos do sensei Shibayama, calcados no respeito, amor, benevolência, disciplina e dedicação ao próximo. São pessoas que acreditam na excelência do ser humano e engrandecem o patrimônio espiritual do homem pela prática do judô.

À mim, sensei não ensinou apenas judô. O mais importante, ensinou-me como fazem os grandes mestres: sem palavras, pelo exemplo, mostrando-me seu amor e respeito ao próximo, aos discípulos e à academia.

Quando visito a Academia, vejo na parede seu retrato, sentado, olhar sereno, de faixa coral.
Como diria Drummond, ao final do poema Confidência do Itabirano, “mas como dói!”

One thought on “100 anos de imigração | O imigrante e sensei de judô Sukeji Shibayama – III”
  1. parabéns, lindas palavras de um profundo conhecedor do nosso querido Sensei Shibayama, queria eu ter o dom da oratória para descrever tudo que este mestre representou em minha vida….

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