Nipocultura: a cultura japonesa ao seu alcance

A Shindo Renmei | 臣道連盟 – III

A Liga não acreditava na derrota do Japão na Segunda Guerra. E os que acreditavam, para eles, eram traidores da pátria, “derrotistas”, inimigos da nação, desleais ao imperador –  figura de idolatria máxima da nação – e por isso, mereciam morrer. Durante suas ações, de março de 1946 aos inícios de  1947, a Shindo Renmei executou duas dezenas de pessoas e feriu mais de uma centena.  Mas suas ações não eram dirigidas apenas a membros da colônia. Nascida do orgulhoso espírito japonês, visava proteger e defender a honra do Japão, seus símbolos e seu imperador, pagando com a morte quem os ousasse ofender. E admitir a derrota da invencível Força Armada nipônica na Segunda Guerra – que até então, em 2600 anos nunca fora derrotada –, era uma grave ofensa à honra e ao brio do império japonês. Os que de alguma forma pareciam à Liga, colaboradores dos Aliados, aí incluído o Brasil, eram considerados traidores, e sua execução era anunciada em tabuletas de madeira postadas na frente das residências ou com a palavra “kokuzoku” (traidor da pátria) pichada na casa. Assim, colaboradores e amigos de autoridades brasileiras e os da colônia que plantassem produtos que beneficiassem os Exércitos Aliados como a hortelã, utilizada para potencializar explosivos,  ou a seda, usada na fabricação de pára-quedas, eram também “traidores” e deveriam sofrer a punição. Várias plantações de hortelã e galpões de criação de bicho-da-seda foram incendiados de madrugada. A alguns era-lhes dirigida diretamente a sentença de morte: “você tem o coração sujo (um coração limpo acredita no Japão e no  imperador), mantenha seu pescoço limpo (para não sujar a lâmina da minha espada)!”. Ao procederem à execução, os tokkotai davam ao sentenciado antes a oportunidade de cometer o suicídio honroso – o que nunca aconteceu. Depois entregavam-se às autoridades brasileiras, visto que nada tinham contra o Brasil.

A insegurança e a dúvida se instalaram na colônia. Os realistas, “derrotistas”, viviam aterrorizados e muitos evitavam discutir sua convicção em público. Os que declaravam abertamente estavam correndo sério risco. Ser patriota, ser politicamente correto, ter o coração limpo, era ser “vitorista”. Inúmeras “provas” surgiram de que o Japão havia ganhado a guerra: revistas falsificadas, fotos mostrando a rendição do general Mac Arthur, notas do dinheiro japonês agora utilizados nas terras conquistadas. Comunicados captados diretamente da Rádio Central Militar do Japão falando dos acontecimentos “pós-vitória” do Japão animavam os “vitoristas”. E como o Japão não abandonaria seus súditos, uma esquadra imperial viria ao Porto de Santos para repatriar os imigrantes e levá-los para ocupar as ilhas do Pacífico, agora possessões japonesas. E fixaram dia e hora em que a armada imperial viria buscá-los: 11 de setembro de 1945, Porto de Santos. Surgiram oportunistas que farejaram chances de ganhar dinheiro fácil vendendo-lhes passagens. Levas de imigrantes venderam suas propriedades e bens a preços baixos e trocaram seus cruzeiros por yens. Claro, como o Japão havia ganhado a guerra, o yen se valorizou muito e os pobres iludidos venderam num câmbio supervalorizado, 300% acima da cotação, mas como consolo, tinham a convicção de que recomeçariam a vida em terras do Japão e mais importante, seriam tratados como cidadãos japoneses, como cidadãos do país que venceu a guerra. E alguns antecipadamente já compraram terras em ilhas do Pacífico. Os melhores locais como Bornéu e Sumatra, já haviam sido vendidos, mas sempre havia boas oportunidades, mostravam os vendedores no mapa.

Nos dias que antecediam a chegada da esquadra, a cidade de São Paulo conheceu movimento inusitado de japoneses com passagens compradas, vindos de todas as direções; as pousadas estavam lotadas. No dia, havia cerca de dois mil japoneses de malas prontas no Porto de Santos. A ausência da marinha japonesa se justificou com um contratempo que atrasou a partida da esquadra, por isso, o repatriamento fora adiado para o dia 24 no Porto do Rio de Janeiro.

Saldo na Justiça das ações da Shindo Renmei: 23 pessoas assassinadas, 147 feridos, 31380 pessoas detidas, identificadas e fichadas pela polícia, 1423 acusados pelo Ministério Público dos quais 381 denunciados, 80 condenados à expulsão do país. Na prática, presos, impetraram recursos e nenhum chegou a ser expulso do Brasil. Decorridos dez anos, por decreto do presidente Juscelino Kubistchek em 1956, foram todos postos em liberdade. Saldo na colônia: dezenas de milhares de imigrantes desamparados que sob o choque do saudosismo e da inadaptabilidade, aceitaram a confortável crença em algo que resgataria sua histórica tradição de bravo povo guerreiro cultuada ao longo de séculos; enriquecimento de alguns espertos à custa do empobrecimento de muitos ingênuos de boa fé e muitas feridas ainda não cicatrizadas no seio da comunidade nipo-brasileira.

Referências:

CARONE, Iray e alii (org). Psicologia social do racismo. Petrópolis:Vozes, 2012. MORAES, Fernando.  Corações Sujos. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
YAMASHIRO, José. Japão Passado e presente. São Paulo: Ibrasa, 1986.

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http://pt.wikipedia.org/wiki/Imigra%C3%A7%C3%A3o_no_Brasil

http://www.usp.br/proin/download/revista/revista_seminarios3_prisioneirosguerra.pdf

http://pt.wikipedia.org/wiki/R%C3%A9is

http://es.wikipedia.org/wiki/Nacionalismo_japon%C3%A9s

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http://www.catolicismo.com.br/materia/materia.cfm?IDmat=D2F0C736-3048-560B-1C811E2509EF36B9&mes=Fevereiro1997

http://www.catolicosdobrasil.com.br/tag/japao/

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http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=vtls000393553

http://pt.wikipedia.org/wiki/Afro-descendente

 

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