Nipocultura: a cultura japonesa ao seu alcance

Bordados japoneses : Sashiko e Boro

Texto escrito por Marisa Mallmann

O Japão, por seus aspectos geográficos, sempre conviveu com a escassez de matéria-prima. O quadro a seguir apresenta alguns dados comparativos entre o Japão e o Brasil, que permitem formar uma ideia das dimensões e características dos dois países. Alia-se a isso, o fato de as pessoas viverem em ilhas, o que em especial no passado, levava a certas limitações nas relações interpessoais e comerciais, devido às distâncias e dificuldades de locomoção e comunicação. Além disso, por muito tempo foi proibida a relação comercial com outros países. Mais ou menos até meados do século XIX.Outra característica da cultura nipônica é o sincretismo religioso, em que se convive harmonicamente com o Xintoísmo e o Budismo. Nessas religiões há a crença em divindades tais como a Lua, o Sol, as estrelas, o vento, a chuva… A Natureza é divina e, por conseguinte, os recursos naturais são também assim considerados. Conjugando essas características: a carência, a escassez e natureza divina dos elementos da natureza, surge o conceito de mottainai.

Simploriamente, pode-se traduzir como não desperdício.

No entanto, nesse conceito reside o respeito pelo objeto, pelos recursos naturais que foram retirados da natureza (divina) e pelas mãos de muitas pessoas que trabalharam para que esse objeto chegasse até nós. O povo japonês encara, no fundo do coração, como um desrespeito muito grande não utilizar todo o potencial da matéria prima e do trabalho humano para produzir o objeto.

Minha irmã me dizia, quando eu era pequena, que aquele pequeno grão de arroz que eu, distraidamente havia deixado no prato de comida, estava chorando, muito triste, pois, afinal, ele não cumpriu sua tarefa, que era alimentar. Ou então, que aquele pequeno grão de arroz, ao invés de ter vindo para o meu prato, poderia ter sido semente e ter gerado muitos grãos que teriam alimentado muitas crianças.

Pode parecer até ingenuidade, mas esse sentimento reflete o espírito do mottainai, ou não desperdício como forma de respeito e de reverência aos recursos naturais.

O Sashiko é mais uma forma de expressão prática desse conceito.

Sashiko (刺し子) pode ser traduzida literalmente como pequena perfuração, do tamanho de um grão de arroz. Perfuração feita pelos diversos pontos da costura…

Originalmente era uma forma de costura de reforço que começou por uma necessidade prática, para recuperar, amaciar ou tornar a roupa mais resistente ou quente, por exemplo.

Tradicionalmente foi utilizado para:

a) Reforçar pontos de desgaste da roupa;
b) Costurar partes já desgastadas;
c) Reforçar a roupa para enfrentar o frio, colocando mais de uma camada de tecido;
d) Fazer de duas roupas gastas, uma terceira “nova”;
e) Reforçar a roupa para enfrentar batalhas;
f) Enfrentar o fogo – o bombeiro vestia a roupa reforçada com Sashiko e se molhava antes de entrar no incêndio, mantendo a roupa menos inflamável por mais tempo.

Ou seja, adequar a roupa de forma a utilizá-la por mais tempo. E aí, verifica-se embutida a ideia do mottainai (não desperdício-reaproveitamento).

Na minha infância, eu e meus irmãos ganhávamos roupas usadas dos primos, que iam passando do mais velho até o caçula.

No Japão, kimonos eram transformados em roupa de vestir em casa, em fronha, sacola… até virar pano de chão. No final, como material orgânico reciclável, poderia ser transformado em adubo.

A partir da origem prática do Sashiko, como uma costura, foram agregados elementos estéticos, dando origem ao bordado e seus estilos e padrões. Há dois estilos principais:

a) Moyōzashi, no qual o padrão é criado utilizando-se longas linhas que percorrem o tecido. (Figura 1)

b) Hitomezashi, em que os padrões emergem do cruzamento de linhas, formando grades. É muito comum encontrarmos figuras geométricas e também elementos da natureza, como nuvens, ondas, bambus, flores (cerejeira, por exemplo), libélulas, borboletas, montanhas etc. (Figura 2)

Esses estilos têm relação com uma característica cultural do povo japonês, que é contemplativo e aprecia observar e reverenciar a natureza e refletir sobre sua natureza divina. E expressa suas observações de forma artística e estética. Por exemplo, o fio branco no pano azul índigo tradicional, empresta ao Sashiko uma aparência distinta e que faz recordar a neve caindo ao redor das casas.

Alguns desses padrões dos estilos tradicionais foram inspirados no trabalho do famoso artista plástico Katsushika Hokusai (1760–1849), autor da pintura `A grande onda de Kanagawa`.

Junto com o Sashiko surgiu o Boro (Figura 3), que pode ser considerado uma espécie de patchwork. Essa técnica utiliza retalhos de tecidos, unindo-os por meio do bordado Sashiko para transformá-los, por exemplo, em capa de cobertor, almofada ou colcha.

Em sua origem, Sashiko era caseiro e feito para uso pessoal e familiar. Era peça única, fruto da visão individual, do capricho e do tempo que a pessoa se dedicava a esse trabalho, assim como vemos nos bordados autorais. Uma questão importante é que o avesso é tão importante quando o direito. Não há nozinhos no avesso…
Atualmente Sashiko é um elemento da indústria têxtil e da moda. Até a camisa oficial da seleção de futebol do Japão, usada na Copa do Mundo, em 2016, trazia o grafismo do Sashiko. Ou seja, é inegável o valor estético do Sashiko.

Mas, em sua essência é uma maneira caseira de prolongar a vida e até mesmo melhorar as roupas velhas comuns, aproveitando-as ao máximo em seu valor intrínseco e evitando seu desperdício.
É também um exercício meditativo, resultando em uma peça única, em que qualquer tecido que você já tenha pode se transformar numa peça especial, permeada de muitas histórias e reflexões compartilhadas a cada Sashiko.

Arigatou gozaimasu!

E não passar a técnica adiante é mottainai, né?

Referências
http://www.armarinhosweb.com.br/blog/costura-sashiko/ Em /25/03/2019
https://www.ecycle.com.br/6243-boro-sashiko-reparo-de-roupas. Em 25/03/2019
https://www.thesprucecrafts.com/sashiko-patterns-projects-and-information-1177510. Em
25/03/2019
http://www.armarinhosoeste.com.br/tag/como-bordar-sashiko/ Em 25/03/2019
https://en.wikipedia.org/wiki/Sashiko_stitching. Em 27/03/2019
https://pt.wikipedia.org/wiki/Jap%C3%A3o. Em 27/03/2019
https://pt.wikipedia.org/wiki/Brasil. Em 27/03/2019
http://www.asia-turismo.com/mapas/japao.htm. Em 27/03/2019
https://pt.wikipedia.org/wiki/Florian%C3%B3polis. Em 27/03/2019
http://www.oblogdadmc.com/2017/07/sashiko-bordado-japones.html. Em 25/03/2019
https://www.google.com/search?q=mapa+mundi&hl=ptBR&authuser=0&source=lnms&tbm=isch&sa=X&sqi=2&ved=0ahUKEwi9uvvs9qrhAhVYPnAKHc6m
DHkQ_AUIDygC&biw=1366&bih=625#imgrc=_FyGeIw1vvVJ5M: Em 27/03/2019
https://www.br.emb-japan.go.jp/territory/data.html. Em 27/03/2019
https://www.dreamstime.com/traditional-technique-japanese-embroidery-sashikodragonflies-image132289857. Em 31/03/2019
https://www.google.com/search?q=creative+commons+sashiko+boro&tbm=isch&source=u
niv&sa=X&ved=2ahUKEwi4-oC26zhAhVIK7kGHcg8CboQsAR6BAgJEAE&biw=1366&bih=625#imgrc=dLWcRSqcXuSd
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https://upcyclestitches.com/sashiko-articles/. Em 31/03/2019
https://mantosdofutebol.com.br/wp-content/uploads/2017/11/Camisas-do-Jap%C3%A3o2018-2019-Adidas-1.jpg. Em 31/03/2019

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